segunda-feira, 7 de julho de 2008

a caixa e o coração

a caixa acabara de chegar. ansiosa, abriu sem ler o remetente ou sequer se preocupar com o carteiro que esperava sua assinatura. querendo chamar a atenção dela, o moço pigarreou forte e alto. desnorteada, colocou seu nome na linha indicada, fechou a porta e se sentou no chão. abriu as pernas feito criança que recebe um novo brinquedo e tenta desvendar aquele universo misterioso. ao rasgar a caixa de papelão impacientemente, viu-o. estarrecida. ele estava lá, vermelho vivo, num formato não muito definido, grande. ficou observando-o sem entender por alguns instantes. retirou-o da caixa procurando encontrar alguma carta ou bilhete que explicasse ou desse algum sentido para ela receber aquilo em sua casa. ao levantá-lo, encontrou um papel dizendo "MANUAL DE INSTRUÇÕES". sentiu-se aliviada por um breve momento. quando abriu o dito manual encontrou apenas uma frase "USE SEM MODERAÇÃO". sem esclarecimento algum, ela ficou se perguntando quem havia lhe mandado aquilo. e por quê. mas o papel já estava rasgado em mil e uma partes e ela jamais saberia. continuara ali, sentada em frente a caixa esperando alguma explicação cabível. que viesse dos céus, dos ventos ou mesmo do mais íntimo de sua memória. mas nada parecia fazer sentido algum. deixou a caixa ali mesmo, no meio da sala e foi trabalhar. não conseguia esconder sua inquietação em saber o que, exatamente, queria dizer aquilo. uma colega de trabalho, ao perceber sua agitação, perguntou o que acontecera. ela lhe explicou. no final, perguntou o que a moça achava. ela respondeu:

- Acho que sei do que se trata.Vi no jornal, um dia desses, que a China inventara uma nova tecnologia e que muitos empresários, pessoas ricas, de posse estavam adorando essa modernidade. Chama-se 'coração'. É um negócio que você coloca no lado esquerdo do peito. Dizem que aumenta a qualidade de vida em quase 70% e que se a pessoa não tiver nenhuma reação com o dispositivo, pode até ser feliz.

'coração'? 'feliz'? perguntara a si mesma como isso seria possível. ao chegar em casa, deparou-se com a caixa no chão, exatamente onde deixara. sentou-se novamente em frente dela e pegou o dito coração nas mãos. ensaiou várias vezes colocá-lo no lado esquerdo do peito, como a moça falara. não teve coragem. sempre fora muito covarde. ainda mais com o desconhecido. certa vez´, alguém dissera que ela amaria loucamente um homem. ela jamais deixara qualquer pessoa do sexo oposto se aproximar. pegou a caixa e levou até o lixo. 'mais uma dessas tecnologias baratas chinesas', desculpou-se. nunca soube o que exatamente ter um coração. e a felicidade lhe parecia algo inatingível. o medo nunca lhe permitiu nada; nada além do fracasso, nada além da desilusão. ela só queria saber quem mandara aquilo de presente. certamente o homem que a faria feliz e que amaria loucamente. nunca soube. e jamais saberá.

2 comentários:

Camilla Tebet disse...

Que coisa louca. Que lindo, que demais! Então o coração veio pelo correio e ela rejeitou? E mal sabia hã? mas que coração é essse que vem pelo correio? O coração dos médicos? dos poetas? dos tolos? E ela, como faz sem coração? Não saberá nunca o que é o amor mesmo? Adorei esse texto.. quero continuação... corro pra ler.
Beijos

Some.Little.Secrets disse...

Você realmente escreve MUITO bem O__O comecei lendo o último post mas gostei tanto que fui lendo, lendo, e nossa, li mihões de posts seus e é impossível se cansar de ler com as coisas que você escreve, a maneira como você escreve, de verdade. você escreve muito bem !
Vou com certeza continuar passando por aqui pra ler todas essas coisas maravilhosas e encantadoras que você tem escrito !
A história do coração é ótima, me fez sentir como se eu fosse a própria personagem do texto, o medo que toma conta de minhas atitudes, meus pensamentos e minha vida !
Beijos, adorei tudo.